Een Geslaagd Leven (Uma vida bem sucedida)

14:16

Semana passada eu fui pela primeira vez à um funeral holandês. Essa experiência me impactou profundamente, não somente pelas diferenças culturais (talvez foi o momento em que eu mais me dei conta de realmente estou vivendo em uma cultura que não é a que eu fui criada), mas principalmente pelo significado da vida da pessoa que se foi e da memória que ela deixou.



Durante o sermão o pastor falou sobre "een geslaagd leven" - uma vida bem sucedida, uma vida de sucesso. Mas o que realmente seria uma vida bem sucedida? Conquistar o primeiro milhão? Chegar ao ponto máximo da carreira? Não se negar nada? Ter o máximo de experiências possíveis? Viajar ao redor do mundo? Conseguir a aprovação de todos? Ter milhares de seguidores no Instagram?

Eu sei que parece mórbido, mas volta e meia eu faço o teste do leito de morte. Se eu descobrisse que tenho pouco tempo de vida, morreria satisfeita com a vida que tive? Com o que eu faço agora? Quais são meus arrependimentos na vida? Como eu seria exatamente lembrada pelas pessoas que eu conheci? Talvez isso tem a ver com o fato de ter visto minha mãe, aos 37 anos de vida, morrer de repente. Chamando meu nome, ela desabou no chão da cozinha.
- "Kelly! Kelly! Kelly!"
Fim.
A vida é finita. Nosso tempo aqui é finito.
Eu sei que a vida pode acabar num piscar de olhos.



Essa pessoa de quem nos despedimos semana passada foi, sem dúvida, a pessoa mais querida que eu já conheci em toda a minha vida. Tinha uma preocupação genuína com todos. Sempre um sorriso no rosto, sempre um olhar atento enquanto você respondia todas as perguntas que ela fazia, sempre um biscoito com café, sempre um doce.
Uma mãe que conhecia os amigos dos filhos, envolvida na vida deles e que os mimava de um jeito bem particular dela: servindo. Uma mulher envolvida com a comunidade e que fazia trabalhos voluntários, sempre estendendo a mão ao próximo.
Sempre otimista, mesmo tendo diagnósticos pesados, cirurgias, incertezas em relação à saúde.
"Tá tudo bem?"
"Sim, tá tudo bem!"
"Mas parece que não foi tudo bem lá no médico, né?"
"Ah, mas não é tão ruim assim."
Negação? Não. Fé! Olhos fixos em coisas que não se podem medir pelas nossas medidas terrenas. Olhos lá no alto.
Velhinha, já próxima do fim, cercada de amor sendo cuidada pelos filhos, tendo o amor da sua vida ao seu lado segurando firmemente a sua mão e volta e meia ganhando um beijinho dele, ela diz que acha tão terrível que Jesus teve que sofrer tanto por nós. Pensamentos desejosos pelo Céu. Histórias e lembranças de uma vida plena. Se despediu de cada familiar, algo que ela mesma descreveu como "uma festa para celebrar a vida". Cantou Salmos, ouviu a Palavra, orou.
Fraquinha na cama, de olhos fechados perguntava "Vocês já comeram?"
Não conseguia deixar de se preocupar com os outros. Uma das marcas mais profundas da sua vida.



A capela aonde aconteceu o funeral estava lotada, não havia mais espaço para ninguém. Tantas pessoas querendo prestar uma última homenagem para alguém que não podia ser descrita de outra forma, além de "een lieve vrouw" (uma mulher querida). Enquanto seus filhos, netos e genro carregavam o caixão para dentro da capela, Amazing Grace era entoado. Ela mesma escolheu os hinos do culto funeral, meses antes de morrer. Een lieve vrouw, uma mulher conhecida pela sua bondade e cuidado pelos outros, mas que sabia exatamente seu lugar diante da Cruz de Cristo. Talvez exatamente por isso, por saber seu lugar diante dessa maravilhosa graça que sua vida teve tanto impacto sobre o seu próximo. 

Eu fui me despedir dela. Olhei para as suas mãos. Mãos lindas, não somente pela delicadeza, mas pelo que elas representaram. Mãos pequenas, mas que serviram tanto. Mãos que foram estendidas a quem precisou. 

Foi enterrada numa Sexta-Feira Santa. Ao sair da capela, enquanto seus amados carregavam seu caixão, ouvia-se ao fundo um hino que ela mesma escolheu, bem conhecido de todos nessa época de Páscoa, que diz:
"Veja Ele aparacer, Jesus, nosso Senhor,
Ele traz os seus, novamente em seus braços.
Seja então, povo do Senhor, alegre e disposto
E diga repetidamente, Cristo venceu!
Ao Senhor seja a glória, Senhor ressuscitado
Ao Senhor seja a vitória, agora e sempre.
Temeria eu, agora que o Senhor vive eternamente,
Ele que me cura, que me dá paz?
Em Seu ser divino, Sua glória é grande;
Não tenho nada a temer, em vida e na morte.
Ao Senhor seja a glória, Senhor ressuscitado
Ao Senhor seja a vitória, agora e sempre." (U Zij de Glorie)


Em seu último lugar de repouso, cercada somente pelos familiares, seu esposo com uma lágrima que teimava em escorrer do seu rosto, depois de 57 anos de casados faz uma última coisa por ela: lentamente ele pressiona o botão que aciona o sistema para baixar o caixão até o fundo da cova. Um caixão coberto por rosas, uma última homenagem dos netos.
"Daag lieve mama! (Tchau querida mãe)" diz a sua filha.
E assim acabou.



Acabou mesmo? "Een geslaagd leven."
Desde o funeral isso não me sai da cabeça. Uma vida bem sucedida.
Sabe por que uma vida bem sucedida não acaba? Porque o exemplo que ela deixou queima no meu coração. Queima, porque eu quero seguir o exemplo dela, porque eu quero abraçar essa vida que se volta para os que estão ao redor. Queima porque eu quero essa vida real, ordinária mas que ao mesmo tempo é o mais extraordinária possível. Queima porque eu quero deixar uma memória assim.
Een geslaagd leven.
Quando eu lembro dessa frase, eu penso em pés descalços, caminhando em um solo prestes a ser semeado. Penso em  mãos que cavam na terra fofa, cheirando a vida, e que semeiam, que regam, que cuidam e que colhem o fruto daquela terra para dar aos outros e não para estocar celeiros.
"Ela colheu o que semeou", alguém disse. E que colheita abundante! Um fruto invisível, mas que enche o coração de todos.

Eu encerro por aqui com uma música que sempre me tocou profundamente, e muito mais agora com o exemplo real dessa pessoa.



Estou tão ocupado perseguindo uma fortuna temporária
 que minhas prioridades se perdem ao longo da estrada
As estações trazem seus momentos
Eles permanecem por um instante
Eles nunca esperam que você  pague as dívidas que você tem

Quando eu partir eu quero deixar uma memória cheia de amor

Do tipo que você não esquece
Quando eu for eu quero ser conhecido
Como alguém que viveu sem arrependimentos


Se a vida é como uma flor
Estou fazendo tudo o que está ao meu alcance
Para deixar uma fragrância para trás?
É hora de contar minhas bênçãos
Esqueça minha conta poupança por um tempo


Eu quero que eles digam
Que dia glorioso
Ela tinha muito a ganhar
Mas deu tudo aos outros
E eu quero que eles vejam algo diferente em mim
E que eu vou ser livre


Em alguma manhã feliz quando esta vida terminar
Eu vou voar 
Para uma casa na costa celestial de Deus
Eu vou voar 


















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